Lisboa Inverno

Lisboa, Inverno. Estou de volta a Portugal, a casa, ao ponto de partida. Voltei para trás, ou fechei um ciclo. O que me espera agora. Futuro Incerto.

Praia do Tofo, Inhambane

Quatro anos fora de casa. 4 anos de África. Alguma coisa devo ter aprendido.
Confirmo o que já sabia. A felicidade é uma soma de momentos dispersos, a tristeza também. Uma não existe sem a outra. As duas, reparo agora, são do género feminino. O amor está em toda a parte, não interessa se é branco, preto, mulato, indiano, asiático. Existem depois alguns constrangimentos a uma relação multirracial, criados por nós mesmos. Se quisermos podemos ultrapassá-los como o fazemos com outros obstáculos. O amor verdadeiro e recíproco é muito difícil de encontrar. Encontrei-o uma, duas vezes talvez, nos meus 30 anos de vida.
Profissionalmente podemos chegar longe, ou talvez não. É preciso sorte, é preciso estar no sítio certo à hora certa. É preciso gostarem de nós, não ser apenas competente. Foram 5 anos, os primeiros da minha carreira, entusiasmantes, compensadores. Sinto-me realizado nesse aspecto. Empresa de grande dimensão, projectos de exploração mineira em África, construção de caminho de ferro, desmonte de rocha e montanhas, computadores e modelos geológicos, liderança, isolamento, desafios.
Escrevo hoje de Moçambique, Praia do Tofo, Inhambane.
Escrevo do sítio onde queria estar, desde há um ano para cá. Do local e na data precisa, 4 anos de África completam-se dia 2 de Novembro. É o fecho de um ciclo.
Este momento, este sítio, esta data, apresentam-se para mim de forma supreendemente natural. Tudo parece fazer sentido agora. Sem grandes inquietações aceito o destino que tracei e o rumo novo que estou a tomar.
Escrevo do Tofinho, ondas verde turquesa, ordeiras mas violentas a quebrarem nas lajes pontiagudas e cortantes para onde eram lançados os subversivos do regime colonial. Mesmo que soubessem nadar, não creio que sobrevivessem ao buraco para onde eram lançados no Tofinho.
Nasci num país  numa época boa. Tive sorte, nasci bem de saúde, bonitinho em miúdo, mais baixinho de altura, estou agora a ficar careca e peludo, os anos de vaidade estão a acabar. Há que aceitar. Novos desafios me esperam apesar da boa sorte que tenho tido. O tempo e a vida continuam para mim...

Joanesburgo

Manhã de domingo clara, amena. Caminho lentamente pelo passeio, fumo, penso. Bebi demasiado a noite passada, vomitei sozinho no quarto de hotel, adormeci exausto.
Apesar da ressaca e dor de cabeça a manhã é leve de tristeza e preocupação. O trabalho é para ser feito, o amor perder-se-á no tempo lentamente como uma nuvem azul de chuva que desapareceu, não vimos para onde, e deu lugar ao sol e à lucidez, à rotina de mais uma quotidiana ilusão.
Ela tentou ligar-me esta manhã, talvez pela ressaca, o coração não acelerou, não parou, manteve-se apático, tranquilo e quase a esqueceu.

Zalewa

Da janela do avião via-se verde, vegetação rasteira, algumas palhotas, telhados de palha castanhas. Tirei o casaco antes de aterrar, camisa oxford, e soube-me bem o calor, a brisa quente, o cheiro diferente. Dois de Novembro de 2011, Malawi. Vinha trabalhar para África, prospecção mineira, mas não sabia mais nada além disto. Tudo era novo e desconhecido e esse vazio sabia bem. A aventura tinha começado. O aeroporto era pequeno, mas amplo, sentia-se que se podia caminhar pela pista. Sentia-me livre e preparado, liberto do passado, a viver o presente e entusiasmado com o futuro. Este sentimento ficou bem marcado. Fui feliz em África.
Julho de 2015, à noite, depois do jantar na cantina do estaleiro, mais de mil noites parecidas com esta, manhãs, meios dias, pôres do sol. Fumo um cigarro na noite, a nuvem que sobe dos meus pulmões sobe lentamente em direcção às estrelas, caminho lentamente entre os dormitórios e a rede de arame farpado do estaleiro e quase que me sinto bem outra vez com a minha solidão.
O vazio branco, o compartimento do quarto, do escritório, da minha vida, sou indiferente à cor, às pessoas, aos conhecidos, aos colegas, aos amigos, à família, à paixão. Nada interessa, eu sou nada, interesso a quem neste estado? Perdi contigo, continuo a perder, em rota descendente vertiginosa, iludo-me por vezes ainda com um plano de vida que me parece inatingível neste momento, longínquo, impossível.
Desafiei as leis da vida, das relações, tentei traçar um caminho egoísta, só meu e cheguei a um beco sem saída. Não tenho força para trepar o muro à minha frente. É tão alto e eu sou tão baixo, e a idade já não me permite saltar tão alto como dantes. Resta-me voltar para trás, cruzar-me de novo com todas as minhas ilusões, e verificar agora que não passaram disso, não existem mesmo, são um passado que já todos esqueceram, eu próprio as tento esquecer porque já não acredito nelas. Cruzar-me de novo com todos os que me viram subir sozinho a pirâmide, que nem de pedra era, era de vidro, percebo agora, e volto para trás e tenho que encarar todos os que me viram confiante, excessivamente simpático, lunático, maluco, com as minhas estórias inoportunas e pouco credíveis, inconvenientes. Vêem-me a afastar-me perdido, fraco, e sentêm-se mal também por mim, e perdem a coragem de me falar, quase como eu, que perdi a coragem totalmente.
Não sei estar comigo, não sei escrever, não sei ouvir música, não sei estar com outros, resta-me esperar, ficar sozinho no meu mundinho, dormir, comer, trabalhar, o que conseguir, manter-me à tona neste lago de lama castanha.
Felizmente o Ribeiro electricista tem bom gosto musical. escusava é de estar a passar neste momento o Black Magic Woman. As festas nas traseiras do meu quarto fazem-me companhia nestes sábados solitários no estaleiro onde me entrego à aceitação da minha insignificância e desejos de aventura em África. Apenas tenho dias de trabalho e noites de descanso e conversa via whatspp com a família. Leio os meus livros, vejo os meus filmes, alguns livros de trabalho e durmo. A minha vida amorosa acabou neste campo, em África. Já tive que chegue. Todas diferentes, todas maravilhosas, mas todas temporárias.
Manhã de domingo. O sol sobe no céu e dá uma nitidez limpa ao estaleiro e às montanhas a oeste. O que é importante na vida, na minha vida? A Luisinha, o António, o Francisco, a mãe, o pai, eu. Fazer o que está ao meu alcance para que estejam bem. Estar a trabalhar fora do país faz com que estejam bem? Faz sentido continuar a trabalhar fora? Sim para poder comprar uma casa? Para trabalhar na área que gosto? Para poder ir de férias e passar um bom tempo com eles? Serei feliz em Portugal depois de 4 anos a trabalhar em Africa?
Talvez não, talvez sim, só saberei se tentar. Participar em mais um projecto. Sair bem se possível. Trabalhar para isso. Com disciplina e e dedicação a esse objectivo. Família, trabalho, rumo a algo mais, que virá por sorte e acaso. E estarei preparado nesse momento talvez. Amigos, amor, felicidade, tristeza, força, fraqueza, sorte, azar.

Life in the village

Diariamente percorro as estradas de terra batida em mau estado que dão acesso aos diferente pontos da obra. Pelo caminho, geralmente absorto pelas preocupações do trabalho, desperto a atenção para observar certos momentos e cenários que compõem a realidade do Malawi, principalmente desta zona mais rural e remota. As pessoas vivem de forma simples vivendo do que cultivam, milho para fazer a nsima, a base da sua alimentação, alguns vegetais e meia dúzia de galinhas. Também possuem cabras e alguns até vacas que pastam guiadas por miúdos pequenos. Durante o dia vejo-os entretidos a ver os carros passar e as máquinas a trabalhar enquanto roem cana de açúcar ou o caroço de uma manga. As famílias são numerosas, vê-se muitas crianças, não há electricidade, de noite a única luz é a da fogueira e das estrelas. Às oito da manhã começa a escola e muitos percorrem longas distâncias a pé pelas estradas em numerosos grupos, outros sozinhos de caderno velho e sujo na mão. Ao domingo vão à igreja, cantam e tocam instrumentos artesanais e dançam. Bebem cerveja caseira e celebram o fim de semana unidos em família.


Apesar das ruínas

Apesar das ruínas e da morte,
Onde sempre acabou cada ilusão,
A força dos meus sonhos é tão forte,
Que de tudo renasce a exaltação
E nunca as minhas mãos ficam vazias.

Sophia de Mello Breyner Andersen

Nacala Railway Project


Mwanza Campsite - Nacala Railway Project 2013
Sábado, entardecer, céu em chamas,
sair finalmente do campo,
atravessar rios e buracos, lamas,
mais de 2 horas de estrada até poder ver,
as luzes da cidade africana, a derreter.
Jantar, e depois para quem fique,
e eu ficava sempre,
os colegas tornam-se amigos,
mais uma rodada de gin tonic.
Malawi, Moçambique,
sons e cheiros de África,
Entranha-se aos poucos esta terra estranha.
Enfim, a madrugada,
torna-se então unânime a retirada.
 
Domingo, na cama, deixar a manha passar,
duche, café e jornal,
então e que tal?
Vamos para a esplanada.
O que vai desejar?
Deixar a tarde passar.
Reset.
Jantar calmo em boa mesa,
Em Portugal está-se melhor,
Mas não foi mau o fim de semana,
está na hora de voltar para o verde, o calor e a lama.

Segunda-feira, clima abafado e quente,
não corre brisa,
derrete-se o aço.
Dozers, dumpers e giratórias,
os encarregados contam aquelas mesmas histórias,
passagens hidráulicas e terraplenagem
escavação, furação e desmonte.
Rasga-se a montanha antiga, intacta e selvagem,
passam bandos de macacos.
Sirene, que vem aí explosão,
águias, pássaros e pedras pelo ar,
mulheres e crianças espantadas a celebrar.
Momentos que não se esquece,
mas com tanto trabalho e sem tempo para o mar,
também o homem esmorece,
e escreve para ver se arrefece.

Filme: Out of Africa



Out of Africa é um filme de 1985, realizado por Sydney Pollack com os actores Meryl Streep and Robert Redford na altura com 36 e 49 anos, respectivamente. O filme é inspirado no livro autobiográfico de Isak Dinesen (o pseudônimo da escritora dinamarquesa Karen Blixen) publicado em 1937.

A história inicia-se em 1913 na Dinamarca quando Karen Dinesen se junta com o Barão Bror Blixen num casamento de conveniência. Apesar de ser membro da aristocracia a situação financeira pouco segura leva-os para África com planos de construir uma quinta.
Instalam-se na então British East Africa onde Karen conhece vários colonos ingleses, entre os quais Denys Finch Hatton, um caçador e aventureiro. Os planos com Bror não correm como esperado pois este não demonstra grande interesse na quinta preferindo dedicar-se à caça estando longos períodos longe de Karen. Apesar de ser um casamento de conveniência Karen desenvolve sentimentos por Bror mas cedo descobre as suas relações extra conjugais. Para piorar a situação Karen contrai syphilis através do seu marido (na altura uma doença muito grave) e é obrigada a voltar para a Dinamarca para um tratamento duro e demorado que a impossibilita de poder vir a ter filhos. 
Depois de recuperada Karen regressa a África na altura em que a 1ª Guerra Mundial está a acabar. Torna-se então claro que o casamento com Bror não pode resultar e por sugestão de Karen este sai de casa. A amizade de Karen e Denys desenvolve-se e os dois acabam por tornar-se amantes. Contudo, depois de muitas tentativas de Karen para criar uma relação estável e duradoura, percebe que Denys é impossível de prender e domesticar assim como o é África. Denys prefere a sua vida livre, nómada como a da tribo Massai nas planíces do Kenya, em vez dos luxuosos costumes europeus...

Vi este filme há uns tempos e é sem dúvida um dos melhores filmes que já vi. A história de uma vida com as suas alegrias e tristezas, a superação dos momentos menos bons, a aventura e o perigo sempre presente, o amor, a fotografia e a natureza como expressão da arte e a música certa no momento certo fazem desta película um filme inspirador.



Riding for the feeling

Ngala Beach Lodge 5/02/2012


Riding for the feeling is the best way to reach the shore
Bill Callahan


Farol da Barra

 Farol da Barra, Aveiro. Dez 2011