Uma pedra

Uma pedra tem vida
é nossa irmã neste planeta
com origem nas mesmas forças criadoras 
da nossa existência química e física.
A energia do sol
o calor remanescente da terra
o movimento lento dos continentes
o percurso dos ventos.
Os elementos
água, ar, fogo, terra.
Fazemos todos parte deste sistema real e abstrato
do qual sabemos tanto e tão pouco
que uma lágrima nossa 
se pode tornar, evaporada
numa rocha. 

Cesário ao entardecer

O que fazer quando não se pode escrever 
Citar Cesário ao entardecer 
Pessoa para ser inteiro 
Ou Sophia e a ilusão de mar azul e profundo, limpo 

 Nada a fazer 
 Não se pode escrever 
Apenas passar, talvez sentir 
E por que não descrever 
Os cantos dos pássaros a fechar o dia 
O rolar dos automóveis pela avenida 
Os retornantes a casa 
no estacionamento das traseiras 
viaturas novas e usadas ainda a combustão.

Talvez

Talvez tenhamos que aguentar mais um tempo 
o vírus continua matando-nos a cada 5 minutos 
no jardim, plátanos choupos freixos observam-nos do alto 
testemunham os nossos tímidos passeios. 
também eles a certa altura padecem de doenças silenciosas, 
presos às suas raízes, sem poder fugir 
Quantas nossas gerações passarão por cima das suas raízes, 
sob as suas sombras tocarão nos seus troncos, 
arrancarão um pouco da sua velha casca 
Quanto tempo vive uma árvore, 
quanto tempo dura uma pandemia 
Deixemos aos nossos filhos as árvores do jardim.

Final feliz

Que o final seja feliz
Deste malogrado ano
O mundo pela janela
Suspense e algum progresso
Período sabático
Consolidação de leituras e namoros
De divórcios e tréguas com ex maridos
As quatro estações nas traseiras do prédio
Os dias que se estenderam e encolheram
O cão que envelheceu 7 anos
E nós cá vamos estando
Cronicamente magros de natureza
Irmãos ramos que se bifurcam
Todos à procura de sol
Eu no meu caminho de ferro
Mantenho a caldeira acesa
Tentando gerir o vapor.




Final de Novembro

Final de novembro
5 da tarde
É quase de noite 
É bem possível que não nos voltemos a ver 
É possível que não amemos assim outra vez
Que o sexo não saiba assim outra vez 
É possível 
Mas não impossível 

Não é preciso esquecer 
mas temos que procurar entender 
Sobrevivamos ao Inverno 
reaprendamos a viver 
rumo à Primavera 
dias felizes 
verão.

Prazer

Ai este prazer 
de nada fazer 
Acordar tarde 
mas não demasiado tarde 
Só fazer o que me apetecer 

Ver primeiro o dia 
se está sol ou a chover 
as notícias em Portugal no mundo 
o sabor das torradas e café 

Depois depende 
Ir às compras 
Surfar, correr, bicicleta 
ou simplesmente ficar a ler
as horas a passar 

Almoçar com a Soraia 
combinar o próximo fim de semana
se vamos à praia
ver o Tejo ou o Alentejo 
 
Depois do almoço a sesta 
como se estivesse no sul de Espanha 
em Rosal de la Frontera 

Quando acaba é o corpo que deve dizer 
a cabeça deve obedecer 
Entretanto ou tão pouco 
chega a Soraia 
cansada, aliviada 
Mais um dia, dever cumprido 

Quanto a mim.. 
não sei bem 
Ler mais um pouco 
percorrer a rede social 
assistir ao crepúsculo 
ao sol poente 
as luzes dos candeeiros 
tratar do jantar 
mais um serão na televisão 
dormir como se fosse acordar.

O Crohn voltou

O Crohn voltou
e com um fio
deu o mesmo nó górdio
que tinha dado da primeira vez.
Agora só com corticóides,
medicação de risco com covid.
Confinamento e máscara
para sair, se sair.
Mais uma razão para ficar,
pela viagem a Portugal
junto à princesa da Pérsia.
Deixo a caravana passar
em direcção à Guiné,
e mantenho lugar cativo no sofá lusitano,
onde viajo pela livraria cá de casa,
que vai somando ao ritmo de uma semana de cada vez,
passando assim mais um mês.

Corona Vírus

Corona vírus
o galopante
fecha-nos em casa,
repõe as fronteiras.
China, Itália, Espanha,
Portugal.
O mundo pára
Os empregos afinal são só empregos.
Só valemos se formos médicos, enfermeiros
ou ministros e secretários de estado.
Esperamos em casa porque ele está a chegar.
Irá bater à porta devagar, subtilmente,
com a mão contaminada e a sua tosse seca.
Nos hospitais será o caos, sem ventiladores.
Depois da pandemia e do pandemónio
irá simplesmente embora, cremos nós.

Depois de Montreal

Depois do Montreal
Encerra-se uma década.
Malawi, Portugal, Canadá.
E agora que futuro.
Que trabalhos, que prazeres.
Pouco sei neste momento,
só que tenho casa, namorada,
algum conhecimento
que pode servir para tudo ou para nada.
Reinvenção ou continuação,
talvez calibração.
Mas somos humanos,
seres expostos à natureza e à confusão,
O que podemos saber, o que podemos antever
Filhos, netos, outra geração.

Varanda

Varanda,
final de tarde.
Bandos de pássaros,
uns verdes e vermelhos em grupo
outros mecânicos em fila.
Marcam o ritmo suave deste anoitecer
quente de Setembro.

Ir e porvir

Dúvidas existenciais
de um percurso suspenso
ente o ir e o porvir.
É pena que não saibamos
embora pareça sabermos
se é bom ou mau
o próximo passo que
inevitavelmente tomamos a seguir.

Assim nos despedimos
apressadamente de Portugal.
Alentejo, Algarve,
Lisboa, Porto,
Norte Litoral.
Até vamos a Vigo e a Santiago,
e regressamos com mais areia e sal
prontos para mais uma viagem.
Do outro lado do mar,
Canadá.

Canadá

Canadá
Québec, Montreal.
Parto em Setembro
e só volto em Dezembro
A Soraia visita-me em Novembro.

Desemprego

Estou desempregado
perdi o emprego
Desassossegado
Perdi o sossego
Desamparado
fiquei parado
subsidiado
Cá dá
Canadá
Alentejo
Caminho de ferro
Brasil, Belo horizonte...

Agustina

"Ali estava eu a fazer regime tão brutal que me precipitou na anorexia. Bebia vinagre e quase não me sentava para comer, continuava a ler tudo o que podia e de repente pus-me a escrever um livro." Agustina Bessa Luis

Soraia

A Soraia além de ser minha gestora de conta, era agora minha vizinha, desde que me tinha mudado para o Lumiar, para um pequeno apartamento com varanda, na praceta da minha infância, ao lado do antigo café dos meus avós.