Depois de Montreal

Depois do Montreal
Encerra-se uma década.
Malawi, Portugal, Canadá.
E agora que futuro.
Que trabalhos, que prazeres.
Pouco sei neste momento,
só que tenho casa, namorada,
algum conhecimento
que pode servir para tudo ou para nada.
Reinvenção ou continuação,
talvez calibração.
Mas somos humanos,
seres expostos à natureza e à confusão,
O que podemos saber, o que podemos antever
Filhos, netos, outra geração.

Varanda

Varanda,
final de tarde.
Bandos de pássaros,
uns verdes e vermelhos em grupo
outros mecânicos em fila.
Marcam o ritmo suave deste anoitecer
quente de Setembro.

Ir e porvir

Dúvidas existenciais
de um percurso suspenso
ente o ir e o porvir.
É pena que não saibamos
embora pareça sabermos
se é bom ou mau
o próximo passo que
inevitavelmente tomamos a seguir.

Assim nos despedimos
apressadamente de Portugal.
Alentejo, Algarve,
Lisboa, Porto,
Norte Litoral.
Até vamos a Vigo e a Santiago,
e regressamos com mais areia e sal
prontos para mais uma viagem.
Do outro lado do mar,
Canadá.

Canadá

Canadá
Québec, Montreal.
Parto em Setembro
e só volto em Dezembro
A Soraia visita-me em Novembro.

Desemprego

Estou desempregado
perdi o emprego
Desassossegado
Perdi o sossego
Desamparado
fiquei parado
subsidiado
Cá dá
Canadá
Alentejo
Caminho de ferro
Brasil, Belo horizonte...

Agustina

"Ali estava eu a fazer regime tão brutal que me precipitou na anorexia. Bebia vinagre e quase não me sentava para comer, continuava a ler tudo o que podia e de repente pus-me a escrever um livro." Agustina Bessa Luis

Soraia

A Soraia além de ser minha gestora de conta, era agora minha vizinha, desde que me tinha mudado para o Lumiar, para um pequeno apartamento com varanda, na praceta da minha infância, ao lado do antigo café dos meus avós.

O poema do amor

O poema do amor
surge da plenitude do nosso ser
que parece que se anula
refletindo-te em tudo o que nos rodeia.
E só vemos flores, pássaros e cantar
numa vibração contagiante de primavera.
Depois da ilusão
deitamo-nos melancólicos sem chão
e escrevemos algo que te mantenha presente
para sempre.

Casas e prédios

Arquitectamos as nossas casas e prédios
entre as montanhas e os rios
virados para a praia
orientados a sul.
Assim fazemos com as nossas vidas
as nossas pessoas, os nossos trabalhos
ajustamos aqui e ali.
Vamos vivendo.
Caímos às vezes numa depressão topográfica
saímos dela e continuamos.
Amamos, com sorte somos amados
Admirados, odiados
E continuamos.
Até um dia, uma hora
em que nos vêm buscar
Ou a ela nos entregamos
sem mais a relatar.

Malawi

Recordações quentes de vida
O cheiro da fogueira, no acampamento
A estrada de terra batida
A bicicleta cheia de lenha
Os miúdos da escola
O Lago Niassa
África.

Portugal
Esta metrópole onde cresci
O rio, o mar, o cimento
Os meus irmãos
O meu cão
A escola onde trabalho
Montanhas, serras e praias.

Vanitas

Envelheci tanto nos útimos anos.
33 Invernos de frio e chuva quente na lareira.
Há uma caveira na secretária onde me sento
todos os dias da semana.
O tempo, 3, 13, 23, 33..

E continuará, contigo nua,
como um ramo de uma flor num jarro.
Mundos outrora revisitados.
Volto a casa,
A esta cama, este leito.
Naturalmente morro
como uma folha de Outono.

E se ficasse só?
Só, sozinho
Na minha casa, só minha.
Que triste por vezes
Que confortável
O que faço?
Lancho, descanso
Dou a volta ao mundo com um dedo
Danço, movimento, penso.
Quando deixará de fazer sentido?
Escrevo.
E volto a ligar a televisão.
Imagino que estavas comigo hoje, esta noite.
E durmo, esticado, largo, confortável,
comigo 
só.

Chaminés de Setúbal

Magro,
Por vezes leviano, 
Português, companheiro.
Preparo o derrube das chaminés de Setúbal
200 metros de vertigem
Como uma árvore
Abrindo uma cunha
Cortando a estrada
O Sado
E o corredor aéreo
Contagem decrescente
Detonação controlada
E já está.

Apesar do destino

Apesar do destino
A vida é feita de decisões.
Há horas, dias, anos, décadas
boas e más, ou menos boas e menos más.
A mãe perdeu o Pai, o pai perdeu a Mãe.
Os filhos sofrem com a mãe, sofreram também com o pai.
A vida segue dia após dia, ano após ano, década após década.
As décadas são cerca de sete, com sorte nove
É o destino.

Farol da Costa Nova

A casa que viemos a habitar este verão é como um farol
Junto ao mar, afastada do centro
O mar entra por todas as janelas
De dia com o seu azul distante
de noite o rugido das espumas constante
No horizonte os navios sem destino
Ao jantar, no terraço
O pequeno candeeiro de abajur 
Vermelho e branco
ilumina as suas 
viagens no Atlântico.