Tantas coisas para dizer

Tantas coisas para dizer.
não sei se estou vazio ou cheio
sei que estou perdido, o que faço?
estou desempregado mas não quero trabalhar.
preciso de um orgasmo, seja do que for
uma namorada, um emprego
não tenho nada.
quero escrever, tocar, cantar, trabalhar, aprender
mas não me estou a esforçar
deixo-me andar.
o vento empurra-me
deixo de ver terra
estou no mar, a surfar
à espera de algo que já aconteceu
e eu não vi passar.
Agora  sou um sem abrigo de sentimentos
aceito tudo o que me dão sem aceitar.

O Corredoura


Ao longo do meu estágio, nos meus dias na pedreira, não tive muitas oportunidades para conviver com o Sr. Corredoura. Foram talvez meia dúzia as vezes que falei com ele, no entanto estas breves conversas chegaram para me fazer sentir que era um bom homem. Lembro-me de mostrar-me a sua carrinha Mercedes, o seu orgulho naquela carrinha, impecavelmente estimada. Certa ocasião, num almoço de 6ª feira enquanto comiamos um cozido, onde sempre fez questão de passar-me as travessas de enchidos, feijão e o jarro de vinho (lembro-me que bebeu pouco ao almoço fazendo a refeição com apenas um copo de vinho e seven up), contava ele, a quem o quisesse ouvir, que faria férias nesse ano por altura do Natal no Brasil. A primeira vez que estive com ele, punha pressão num pneu do dumper à porta da oficina, enquanto me explicava a pressão ideal e porque enchia um bocado menos, para não sentir tanto os buracos. Outra ocasião, falou-me dos charutos que fumava, os Cohiba. Apesar de o ver sempre de charuto na boca enquanto conduzia o seu dumper, contava-me que quem fumava mais era o Hélder da oficina, que num dia fumava o mesmo que ele numa semana. Outra ocasião tinha um valente galo na testa. Tinha ficado com o pé preso nas escadas do dumper e caído de cabeça. Umas horas mais tarde quando lhe perguntei do galo, disse-me que não me preocupasse pois ele era "carne de cão".
Teve uma morte trágica no dia 11 de Novembro de 2010, daquelas que por vezes ouvimos nas histórias das pedreiras. Quando falei com a minha colega ainda se perguntava "porque tinha ido ele atrás da máquina? porque não deixou a máquina ir". O Corredoura nunca deixaria a máquina ir desgovernada contra a bancada de calcário. As máquinas são como extensões do corpo desta gente, passam a vida com elas e fazem tudo para as proteger. Correu atrás da WA470, uma pá carregadora grande e amarela, com os pneus revestidos de correntes grossas e fortes para a lama. Conseguiu agarrar a escada, mas o seu corpo cansado por milhões de quilómetros percorridos em caminhos de terra batida e naquelas lajes de calcário, não acompanhou a força do seu bom coração.Caiu e no instante seguinte a roda gigante, indiferente, passou por cima do Corredoura. Ainda teve consciência do que lhe aconteceu, sentiu esperança que ainda se safasse, talvez. As respostas guarda-as o Sr. Armindo, amigo de Corredoura que passado uns dias, durante o funeral, continuava a chorar, sem dormir há várias noites. Eu já não estava lá nesse dia, oxalá ninguém estivesse, nem o Corredoura.

Amei

Amei a mulher, amei a terra e o mar
E outras coisas que não cabe agora enumerar
De resto, já falei de quase todas elas.

Monsanto


Trilho de downhill de Monsanto
A floresta de Monsanto, o pulmão de Lisboa, tem suscitado grande curiosidade em mim. Sempre gostei de andar por lá, conhecer a sua história, perceber que teve um período que praticamente não tinha árvores e se chamava Montes Claros, que é atravessada pelo aqueduto das águas livres, que tem um estabelecimento prisional de alta segurança no seu topo, onde estão detidos fulanos da ETA, que em certas clareiras é possível observar a cidade de Lisboa na sua grandeza e claridade, o rio Tejo, a ponte e os aviões a passar. Lá para o meio, para quem quiser descobrir há pedreiras abandonadas, restaurantes panorâmicos em ruínas, o parque dos Índios, trilhos para andar bicicleta, um skatepark, recantos para namorar, velhas quintas, várias espécies de plantas, mochos e ar puro. No passado houve planos para urbanizar o Monsanto e "engrandecimento e monumentalização" da capital até que em 1974 o arquitecto Gonçalo Ribeiro Telles conseguiu suspender esse plano.

História do Parque Florestal de Monsanto: http://lisboaverde.cm-lisboa.pt/

Aveiro



Céu azul. Leve brisa fresca. Regressámos ontem de Aveiro. Estou queimado do Sol, do surf, de carregar baterias no pátio depois do almoço.Vim mais gordo do pão, do folar com manteiga, das boas refeições. A Luísa vai guardar na sua memória para sempre as férias de Aveiro como eu guardo ainda hoje. As praias da Barra e da Costa Nova são para mim o sítio onde mais gosto de surfar. É um pequeno trecho de costa a 5 minutos de nossa casa onde se arranja sempre uma onda com pouco crowd. Seja junto ao paredão da Barra quando o mar está grande, até à Costa Nova quando não há ondas em mais lado nenhum. Mais a sul não faltam secret spots. A Páscoa ganha um sentido mais forte quando estamos na nossa casa na Gafanha. Ouve-se o sino da Igreja, sente-se o cheiro do folar no forno a lenha. Encontram-se os amigos do Verão nas férias da Páscoa, vamos aos bares da praça. Não me vou esquecer destes dias alegres e descontraídos.   
Que fim de semana tão rápido
Assim também têm sido as semanas
Deve ser por andar tão ocupado
Preciso de uns dias nas Bahamas

Isto não é poesia
Nem tão pouco filosofia
É apenas a vida
Escrita para ser mais tarde lida

Deitado na cama junto à janela
escrevo e observo as luzes lá longe.
Imagino-me a pé naquela estrada
carros passam e eu sou fantasma iluminado
Quem sou eu?
Tento voltar para a cama
mas estou ainda lá naquela estrada
e agora reparo naquela janela iluminada
alguém escreve deitado na cama.

Tenho uma ferida aberta
Durante a semana é rasgada
durante o fim de semana é cicatrizada
completamente, talvez só no Verão
Mas até lá tenho que ver se não infecta
Porque aí terá sido um ano em vão.
Somos quatro irmãos parecidos
fisicamente, culturalmente, diferentemente
Juntos podemos andar despidos
sentimos sempre quando está um ausente

Francisco o palhaço constante
António o sentido de humor cortante
Maria a ternura, feitio vibrante
E eu que os vi nascer, radiante

Mais a sul, na ilha dos Portugueses
não deve chegar tão cedo o João Pestana
Quem sabe eu vá lá algumas vezes
eu que gostava das histórias do João sem medo

Estou doente, tenho o corpo quente
mas nem a médica oiço inteiramente
Assim sou livre, assim está a morte presente
e vivo a vida mais intensamente.

Vi outro dia um rebentamento
A terra toda do seu esplendor
O Sol, o rio, sem vento, sem tempo
A Terra parou e gritou de dor.

Serras de Aire e Candeeiros

Ando aos poucos a tentar sossegar o meu fascínio pelas Serras de Aire e Candeeiros. Ainda não subi ao Montejunto e no PNSAC ainda não penetrei completamente. Tenho-os observado ao longe, nos dias de céu claro. Quero subir as lages a pique de calcário, descansar lá no alto e observar a paisagem. Quero analisar as camadas, as dobras, as falhas. Quero ver as aves, os arbustos, as grutas, as flores, as pedreiras, os dinaussáuros e só parar na ponte da auto-estrada.