O Corredoura


Ao longo do meu estágio, nos meus dias na pedreira, não tive muitas oportunidades para conviver com o Sr. Corredoura. Foram talvez meia dúzia as vezes que falei com ele, no entanto estas breves conversas chegaram para me fazer sentir que era um bom homem. Lembro-me de mostrar-me a sua carrinha Mercedes, o seu orgulho naquela carrinha, impecavelmente estimada. Certa ocasião, num almoço de 6ª feira enquanto comiamos um cozido, onde sempre fez questão de passar-me as travessas de enchidos, feijão e o jarro de vinho (lembro-me que bebeu pouco ao almoço fazendo a refeição com apenas um copo de vinho e seven up), contava ele, a quem o quisesse ouvir, que faria férias nesse ano por altura do Natal no Brasil. A primeira vez que estive com ele, punha pressão num pneu do dumper à porta da oficina, enquanto me explicava a pressão ideal e porque enchia um bocado menos, para não sentir tanto os buracos. Outra ocasião, falou-me dos charutos que fumava, os Cohiba. Apesar de o ver sempre de charuto na boca enquanto conduzia o seu dumper, contava-me que quem fumava mais era o Hélder da oficina, que num dia fumava o mesmo que ele numa semana. Outra ocasião tinha um valente galo na testa. Tinha ficado com o pé preso nas escadas do dumper e caído de cabeça. Umas horas mais tarde quando lhe perguntei do galo, disse-me que não me preocupasse pois ele era "carne de cão".
Teve uma morte trágica no dia 11 de Novembro de 2010, daquelas que por vezes ouvimos nas histórias das pedreiras. Quando falei com a minha colega ainda se perguntava "porque tinha ido ele atrás da máquina? porque não deixou a máquina ir". O Corredoura nunca deixaria a máquina ir desgovernada contra a bancada de calcário. As máquinas são como extensões do corpo desta gente, passam a vida com elas e fazem tudo para as proteger. Correu atrás da WA470, uma pá carregadora grande e amarela, com os pneus revestidos de correntes grossas e fortes para a lama. Conseguiu agarrar a escada, mas o seu corpo cansado por milhões de quilómetros percorridos em caminhos de terra batida e naquelas lajes de calcário, não acompanhou a força do seu bom coração.Caiu e no instante seguinte a roda gigante, indiferente, passou por cima do Corredoura. Ainda teve consciência do que lhe aconteceu, sentiu esperança que ainda se safasse, talvez. As respostas guarda-as o Sr. Armindo, amigo de Corredoura que passado uns dias, durante o funeral, continuava a chorar, sem dormir há várias noites. Eu já não estava lá nesse dia, oxalá ninguém estivesse, nem o Corredoura.

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