Da janela do avião via-se verde, vegetação rasteira, algumas palhotas, telhados de palha castanhas. Tirei o casaco antes de aterrar, camisa oxford, e soube-me bem o calor, a brisa quente, o cheiro diferente. Dois de Novembro de 2011, Malawi. Vinha trabalhar para África, prospecção mineira, mas não sabia mais nada além disto. Tudo era novo e desconhecido e esse vazio sabia bem. A aventura tinha começado. O aeroporto era pequeno, mas amplo, sentia-se que se podia caminhar pela pista. Sentia-me livre e preparado, liberto do passado, a viver o presente e entusiasmado com o futuro. Este sentimento ficou bem marcado. Fui feliz em África.
Julho de 2015, à noite, depois do jantar na cantina do estaleiro, mais de mil noites parecidas com esta, manhãs, meios dias, pôres do sol. Fumo um cigarro na noite, a nuvem que sobe dos meus pulmões sobe lentamente em direcção às estrelas, caminho lentamente entre os dormitórios e a rede de arame farpado do estaleiro e quase que me sinto bem outra vez com a minha solidão.
O vazio branco, o compartimento do quarto, do escritório, da minha vida, sou indiferente à cor, às pessoas, aos conhecidos, aos colegas, aos amigos, à família, à paixão. Nada interessa, eu sou nada, interesso a quem neste estado? Perdi contigo, continuo a perder, em rota descendente vertiginosa, iludo-me por vezes ainda com um plano de vida que me parece inatingível neste momento, longínquo, impossível.
Desafiei as leis da vida, das relações, tentei traçar um caminho egoísta, só meu e cheguei a um beco sem saída. Não tenho força para trepar o muro à minha frente. É tão alto e eu sou tão baixo, e a idade já não me permite saltar tão alto como dantes. Resta-me voltar para trás, cruzar-me de novo com todas as minhas ilusões, e verificar agora que não passaram disso, não existem mesmo, são um passado que já todos esqueceram, eu próprio as tento esquecer porque já não acredito nelas. Cruzar-me de novo com todos os que me viram subir sozinho a pirâmide, que nem de pedra era, era de vidro, percebo agora, e volto para trás e tenho que encarar todos os que me viram confiante, excessivamente simpático, lunático, maluco, com as minhas estórias inoportunas e pouco credíveis, inconvenientes. Vêem-me a afastar-me perdido, fraco, e sentêm-se mal também por mim, e perdem a coragem de me falar, quase como eu, que perdi a coragem totalmente.
Não sei estar comigo, não sei escrever, não sei ouvir música, não sei estar com outros, resta-me esperar, ficar sozinho no meu mundinho, dormir, comer, trabalhar, o que conseguir, manter-me à tona neste lago de lama castanha.
Felizmente o Ribeiro electricista tem bom gosto musical. escusava é de estar a passar neste momento o Black Magic Woman. As festas nas traseiras do meu quarto fazem-me companhia nestes sábados solitários no estaleiro onde me entrego à aceitação da minha insignificância e desejos de aventura em África. Apenas tenho dias de trabalho e noites de descanso e conversa via whatspp com a família. Leio os meus livros, vejo os meus filmes, alguns livros de trabalho e durmo. A minha vida amorosa acabou neste campo, em África. Já tive que chegue. Todas diferentes, todas maravilhosas, mas todas temporárias.
Manhã de domingo. O sol sobe no céu e dá uma nitidez limpa ao estaleiro e às montanhas a oeste. O que é importante na vida, na minha vida? A Luisinha, o António, o Francisco, a mãe, o pai, eu. Fazer o que está ao meu alcance para que estejam bem. Estar a trabalhar fora do país faz com que estejam bem? Faz sentido continuar a trabalhar fora? Sim para poder comprar uma casa? Para trabalhar na área que gosto? Para poder ir de férias e passar um bom tempo com eles? Serei feliz em Portugal depois de 4 anos a trabalhar em Africa?
Talvez não, talvez sim, só saberei se tentar. Participar em mais um projecto. Sair bem se possível. Trabalhar para isso. Com disciplina e e dedicação a esse objectivo. Família, trabalho, rumo a algo mais, que virá por sorte e acaso. E estarei preparado nesse momento talvez. Amigos, amor, felicidade, tristeza, força, fraqueza, sorte, azar.
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